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Marcos Resende Poemas

Marcos Resende Poemas

Antropofobia

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01.

Eu tenho medo dos homens
porque são hipócritas,
porque roubam pobres
e jazem felizes
nos túmulos pútridos
de longos banquetes.

Eu corro dos homens
que vivem no luxo,
enquanto seus irmãos estão morrendo
em guerras de sangue,
sepultados na areia dos campos de conflito,
tendo como ladainha de féretro,
o grito de ódio do inimigo.

É fácil impressioná-los
com cenas da miséria nordestina,
com o drama do sertão na indigência.
E murmuram: — "Que tristeza!"
A comoção os domina e a dor os atormenta.
Mas, que fazem?
Choram de braços cruzados sobre o peito.

Sinto pavor dos homens sem caráter
porque furtam a nação,
porque matam inocentes,
e — com um olhar cândido
e um sorriso bem largo —
pedem novamente votos,
para novamente roubar.

Tenho medo de homens insensíveis
porque lançam bilhões ao espaço sideral,
enquanto que, na Terra,
impossibilitados de comer terra,
seus semelhantes morrem esfomeados,
suplicando compreensão material.

Tenho medo dos homens inconstantes
porque emprestam, sorrindo, dinheiro aos aflitos,
e os esmagam com juros desumanos.
Porque se servem da aflição do próximo
para se enriquecerem criminosamente.

Odeio os homens selvagens
que transformam seus irmãos em peças da Máquina Infernal.
Sinto asco de quem escraviza um ser,
e dele extrai trabalho, dele arranca a mocidade,
e, num ateísmo animalizado, torna-se rico,
enquanto o país sofre escravidão e miséria.

Eu fujo com as asas do terror
de quem mata seu semelhante
usando, como único pretexto,
a diferença de credo ou cor.
Serão loucos
ou sua consciência se acomodou ao erro?
É necessário um novo Édipo
para desvendar este enigma esfingético.

Tenho raiva da demagogia,
da mentira, da hipocrisia,
do cinismo e da vulgaridade,
dos caridosos de praça pública
que — por trás de sua pré-fabricada
máscara de anjo — 
treme maquiavelicamente uma barba de bode.

02.


Tenho medo da sociedade
porque esconde em seus bastidores,
pessoas que nela entraram pelo poder da riqueza;
mas são despidas de bondade
ou bons sentimentos.
E pisam nos outros.
E — grosseiramente tomam champanha
nas festas burguesas,
beijam mãos femininas
simulando racionalidade,
vestem roupas caras
fingindo civilização.
Mas, não passam de inconscientes autômatos.
De eficientes máquinas de fazer dinheiro.

A sociedade possui elementos
que matam no escuro,
que furtam em trustes,
que exploram empregados,
subornam fiscais,
que lesam o imposto,
que tiram do pobre o mirrado pão do almoço-jantar,
que compram consciências,
que adquirem almas.

E a riqueza vem,
e a riqueza aumenta,
o dinheiro chega,
o dinheiro cresce,
e transforma em luxo,
as riquezas vindas
do suor do pobre,
pobres explorados
por ganância crua.

E ousam eletrocutar um assassino
em nome da sociedade ofendida
que tem em seu seio,
maiores criminosos.
Maiores criminosos impunes.

E ainda prendem dentro de celas imundas
— durante anos a fio — 
ladrões que, como único crime,
assaltaram residências ou pedestres,
massacrados pela fome,
espremidos pelo instinto de encontrar comida.
Esta lei que foi feita para os pobres,
não é a mesma para os ricos,
pois os maiores ladrões estão soltos,
roubando cada vez mais.
Porque os maiores assassinos estão livres,
matando cada vez mais.

03.

A sociedade não é toda má;
mas, os bons membros são omissos
por tolerar os maus,
por deixar que prossigam
sua doida, criminosa
e sinistra exploração.

A sociedade somos nós.
Abramos os olhos.
Fujamos da influência dos maus
e aceitemos os bons.
Expulsemos os perniciosos,
e tiremos os bons do ostracismo.
Façamos calar para sempre os maléficos,
pois, está na hora
de entregarmos o micorofone aos honestos.
Aprendamos a olhar alto
e deixemos de lado a futilidade infantil
e as convenções ridículas.

04.

Eu tenho medo dos homens
que sobem ao poder
e abusam da liberdade,
tirando a liberdade
de quem deve ser livre.

Chego realmente a crer
que liberdade não existe.
Se existe, é muito insignificante,
e essa pequena liberdade
vive sendo tolhida
por governantes,
por imitistas,
por absurdas convenções.

05.

Como é bom ser eu,
ser somente eu.
Eu defeitusos,
eu virtuoso,
eu implicante,
eu atacado,
eu humilhado,
eu detestado,
eu desprezado,
eu enjoado,
eu admirado,
eu benquisto,
eu abençoado,
eu procurado,
eu amado.

Mas apenas eu.

Com todos os defeitos e virtudes,
com deselegância e excentricidade no trajar,
eu maluco por lutar por uma liberdade
que já é defunta há muito tempo.
Eu, com ignorância imensa,
com erros de português,
com cabelo despenteado,
com fisionomia cansada.

Mas, apenas eu.

Sendo chutado
por quem me acha antipático,
mas, apenas eu.
Sendo ameaçado
por quem não quer me ouvir gritar,
mas, apenas eu.
Sendo tentado
por subornos de direita ou de esquerda,
mas, apenas eu.
Sendo caluniado por anões mentais.

Mas, apenas eu.

Que, não sendo político,
tenho minha opinião política.
Que, não sabendo fazer versos,
tento-os fazer.
Que, sendo fruto da burguesia,
sou o primeiro a ridicularizá-la.

Porém, sendo apenas
eu.
E não um fantoche do mal,
que, depois de usado
na requintada festa social,
é guardado na gaveta do vazio
e trancado com a chave da futilidade.

Quero gritar que sou eu!
Quero que todos saibam que sou eu!
Exijo que entendam que não conseguiram me alistar
no exército de autômatos!
Quero mostrar que vivo a liberdade
apesar de tanta incompreensão!
Quero berrar que não existe erro
em vestir-se de preto ou branco.
Que a barba comprida não ofende a moral.

Quero ser livre!
Que me olhem demoradamente se quiserem.
Que me persigam roídos pela inveja
de não ter a coragem de quebrar os laços
de idiotas convenções.

06.

Não quero renovar o mundo.
Mesmo que quisesse,
seria muito cansativo e trabalhoso.
Quero apenas poder cantar
sem ser amarrado,
poder sonhar sem ser acordado,
poder viver sem sofrer homicídios diários,
poder ser livre
sem que minha liberdade seja violada.

Podem dizer que só faço tolices.
Mas, que eu tenha o sagrado direito de fazê-las!
Se isso é ser tolo, bendita seja a tolice!
Louvada seja a liberdade que não me faz ouvir perpetuamente:

São 7 horas. Não vai levantar?
São 8 horas. Não sai sair?
São 12 horas. Não vai almoçar?
São 15 horas. Não vai repousar?
São 17 horas. Não vai lanchar?
São 20 horas. Não vai jantar?
São 22 horas. Não vai dormir?

Que sejam quebrados todos os relógios do mundo!
Desta Terra, onde o homem se tornou escravo
de suas próprias máquinas,
ficando logicamente inferior a elas.

Que se quebrem convenções.
Que todos sejam bons apenas pela bondade.
Que todos sejam puros apenas pela pureza.
Que todos sejam autênticos e verdadeiros
apenas pela verdade,
que, somente pela santidade, sejam todos santos.

Que todos sejam simples e puros como crianças,
que não pensam e crimes, em pisar o próximo,
em fazer riquezas,
e vivem ocupadíssimas
na deliciosa oração de brincar.

07.


Um dia, os homens compreenderão
que devem ser bons.
Um dia haverá paz e amor.
Um dia haverá compreensão e liberdade.
E eu poderei dizer:
não tenho medo dos homens,
porque todos serão felizes,
sem guerras,
sem doutrinas de escravização,
sem roubos,
sem assassinatos,
sem convenções supérfluas,
sem racismo,
sem diferença de religião.

Neste dia, o homem estará perto de Deus.
E o  mundo será amor.
E a vida será vivida.
E os homens se tornarão homens.
Cada um será um elo
na corrente da fraternidade.
E todos serão crianças.
Sem jamais ser temidos.

08.


Eu tenho medo dos homens
porque se afastaram de Deus.

São Paulo, 1965

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