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Marcos Resende Poemas

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Avenida do Medo

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Impossível a flor romper
a carapaça do asfalto,
difícil nascer um homem
na terra em que o concreto,
exala veneno e morte.

Esta é a avenida do medo,
onde se premem botões
e corações se comprimem
em calabouços de pedra.
Este é o século da Bomba,
da guerra em laboratórios,
de nervos extenuados,
aguardando a cada instante
o fim seguro e fatal.

E tudo é regra geral
para quem anda apressado
nesta avenida ou no mundo.

O homem que nunca estaca
e recusa o cumprimento
conhece que, atrás do gesto,
esconde-se um assassino.
A moça, de passo rápido,
não pára pelo caminho:
existe um estuprador
atrás de cada sorriso.
Mendigos dormem caídos
na miséria e na sarjeta.
A noite começa cedo
para quem conhece um dia
de pernas em movimento,
de magras notas que chovem,
de um duro chão que os aceita.

O amor foi racionado,
ninguém mais o dá tranqüilo.
As ruas abrigam monstros
e os peitos guardam terror.

Só existe a ilusão
naquela vitrina acesa,
naquelas faces sem brilho
exibindo riso e rouge,
naquele portão aberto,
convidativo e espontâneo,
naquelas pernas mecânicas
abertas a cada orgasmo,
nos homens desconhecidos
pagando a mesma tabela,
no beijo que não foi dado,
no nojo dissimulado,
nas mentes distantes; nuas.

Ali é o simples depósito
de secreções libertadas,
ali é o prazer vendido,
ali é o ouro suado,
os pecados esquecidos,
os preconceitos calados;
e a fome fazendo coisas
vertidas do desespero:
seus ventres parindo abortos,
seu medo parindo pânico.

Onde a avenida se curva
ao peso de seus excessos,
onde a rua fez-se esquina,
habita gente na sombra:
pessoas que do existir
esperam a existência.
E seu dia é nada mais
que um protesto mutilado,
que um grito preso, em surdina,
assembleias na penumbra,
e uma noite povoada
de mordaças e vigílias.

Mas, quem anda nesta rua,
verá e ouvirá dizer
que nela existe um teatro,
trazendo à luz da razão, 
alienadas gravatas;
que lá funciona um cinema,
fincando luz de coragem
na noite trêmula e incerta;
que nela vibra a emoção
e dia a dia floresce
em corações transeuntes.

Mas, difícil a flor romper
a carapaça do asfalto,
difícil nascer um homem
na terra em que do concreto,
se exalam veneno e medo.


São Paulo, 29 de janeiro de 1968
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