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Marcos Resende Poemas

Marcos Resende Poemas

Caleidoscópios, Moças e Mágicos

Pintura Universal 028.jpg


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Em Calendas, a linha do trem me conduz à madrugada.

Nas ruas da cidade nova, a luz do dia se reveza com a lâmpada de mercúrio: não anoitece nunca. Os homens levam suas mulheres muito cedo para a cama. Às onze horas da noite já não se vê mais ninguém caminhando pelas ruas.

Na cidade toda nua, um cheiro de tudo novo, um jeito de tudo limpo: muita ordem, muita escova polindo metais, vassouras limpando escadas, pincéis caiando paredes, tesouras podando arbustos — vernizes, aerosóis, aventais, naftalinas.
Neste mar de assepsia, o milagre do mercúrio imitando a luz do dia. Cidade limpa e sem graça. Povinho fútil, arrogante, bobinho, maledicente, capiau, desenxavido.

Mas, depois de dez minutos caminhando pelos trilhos
uma clareira se abre — caleidoscópio gigante.

Na clareira, doze casas:
casarões e sobradinhos cheios de moça bonita
luz vermelha nas varandas
postes antigos na rua de terra também vermelha
luz amarela — fraquinha

Nas moças, vermelho vivo nos sapatos, nos vestidos
nos rostos afogueados
nos lábios de puro fogo
nos olhos encapetados
no jeito de rir, de andar
no jeito doido de amar
no cheiro gostoso delas

A noite mergulha fundo na madrugada
a rua parece enfeitiçada — carnaval impressionista
Caleidoscópio girando:


Pensão Paris
Bife de Ouro
o Cabaré Luz Vermelha
A Cantina da Gaby sem hora para fechar
Ninguém com hora marcada

Moças saindo
entrando
voltando
rindo
dançando
A rua cheia de moças

A serenata vem vindo:
violão
flauta
violino
o som ainda tão longe
a rua cheia de gente
as casas cheias de moças

Os moços da madrugada
inevitavelmente mágicos
rolando pelas estrelas
flutuando ao som da flauta
beijando os lábios das moças
beijando tudo das moças
enchendo a cara de vinho

Caleidoscópio girando
os moços noivos da noite
luar espelho da noite
luar voyeur
luar menestrel da noite
Caleidoscópio girando:

Vestidos
pés dançarinos
desejos coxas bruxedo
prismas
prendas violinos
brilhos de anéis lábios dedos
cambraia prata açucena
absinto sete sentidos
apertos
gula
carícias
delícias suor delírio.

Clareira de doze casas
(as casas cheias de moças)
caleidoscópio encantado
girando festa na noite.

(A madrugada envelhece
tecendo névoa na rua.)

Saí no melhor da festa
(voltei à cidade boba) e até hoje me arrependo: queria ficar pra sempre, mas... já não sei o caminho. Sei que a festa continua; até hoje ela está viva no caleidoscópio mágico: o tempo girando em falso, beleza roubada ao instante...

... A noite cheia de gente
as casas cheias de sonhos
os moços cheos de vinho
as moças cheias de gozo

A rua cheia de noite
as casas cheias de bruma
a lua cheia de estrelas
as moças cheias de lua.

                              SP 22 setembro 1991

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