Hoje é Natal
Noite Feliz,
Noite de Paz
— Táxi!
— Não vá amarrotar os embrulhos, hein!
(a imbecil obsessão dos presentes.)
Não há luz nos corações
e nem paz nas carteiras,
pernas
e calos.
Os locutores chateiam:
— Neste Natal dê tecidos marca Orelha!
— Natal na Piranha é mais Natal!
— Para suas filhas, Bonecas Mary Taca, as únicas que falam papai e mamãe!
— Faça uma criança sorrir!
— Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
— Mãnhe, eu quero o brinquedo dele!
— Buááá! Dlóin! Dlóin! Dlóin!
— Jesus nasceu!
— Aonde?
E o Natal que é de Jesus
virou festa de perus,
muita pinga e pouca luz.
Boates, louras, uísque,
champanhas, perus, boates.
A dor de cabeça, o porre
o comprimido efervescente: chhhhhhh!
— Glub! Glub! Glub! Glub!
Dlóin! Dlóin! Dlóin!
— É a Missa do Galo!
— Cócóricóóó!
“Neste Natal calce um pobre!”
— Será que entra no pé?
Barulho. Lua. Buzina.
— Socorro! Polícia!
— Boazuda!
— Cafajeste!
— Feliz Natal! (Feliz, com ela!)
— “Tornei-me um ébrio”...
— João, ocê tá bêbado!
— John, you are drunk!
— Jean, tu es bourré!
— E daí? Qu’est-ce qu’il y a?
— Today is Christmas!
— Merry Christmas to you!
— Um Filiz Natar procê!
Jingle Bells, Jingle Bells
— Feliz Natal!
— Será que esta calça vai servir nele?
— Quantos anos tem?
— Sessenta.
— Táxi
(Buzinas) Bi! Bi! Dlóin! Dlóin! Dlóin!
— É a Missa! Já vai começar!
— Olha a pipoca saída da panela!
— Olha a cachaça!
— Olha a vela!
— Olha o ladrão!
— Olha a loura!
— Meu pé, bruto!
— Feliz Natal, sá Maroca!
— Idem, idem, dona Eusébia!
— Já preparou seu peru?
— Eu já, tá todo rosado!
— O meu tá murcho, coitado!
Todos com idéia fixa
no beber e no comer.
Beber até ficar vesgo,
comer nesta noite mansa
até rebentar a pança.
Dlóin! Dlóin! Dlóin!
— Ué, vai ter missa hoje?
— Deu a louca no vigário?
A verdade é que Jesus,
o dono do aniversário,
caiu fora da jogada.
Alguns ainda vão à Missa.
Será por fé ou por hábito?
Jesus nasceu num silêncio
de invejar noite no campo.
E o negócio tá um barulho,
tá tão grande a confusão,
que pelo menos deviam
(em nome da coerência)
festejar o deus Comércio,
adorar o deus Presente,
deus Peru e a deusa Pinga
(deus Uísque, dos bacanas)
e mandar ofício ao Mestre:
“...Te manca aí, Jesus Cristo,
que teu tempo já passou!”
— Táxi!
São Paulo 14 Dexembro 1967
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