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Marcos Resende Poemas

Marcos Resende Poemas

Poema do Concreto

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As sombras devoram a noite
e esterilizam os sonhos.
Cidade grande. O concreto
veda o sol e esconde a lua.
A pedra, o piche e o alcatrão
sufocam o solo e as raízes.

Nada de novo, estou só.
Nada de novo, resisto.
Nada de novo, adivinho
em cada olhar um abafo,
em cada rua tensão.

Caminho contrário aos ventos
pelo asfalto seco e duro.

No caminho há uma rua,
nesta rua há cem postes.
Em cada poste há um ônibus
e funciona o seu motor.
Cada ônibus transporta
setenta e quatro pessoas.
Para onde vamos todos?
E depois, para onde vamos?
Em cada cabeça um cérebro
que pensa, sente e resiste.

Nada do que se criou
é tão lindo como o mar,
como as areias balsâmicas
amenizantes do tédio.
Mas por aqui não há mar.
Sem amar e com concreto
melhor um tiro no crânio,
melhor um silêncio só.

No centro existe uma rua,
nesta rua, vinte bancos.
vinte gerentes gerindo
papel de fazer vazio.
Nesta rua passa gente
que não sabe porque vive,
alma e coração de ferro
que não sabem por que pulsam;
automáticos viventes
que ainda não calcularam
o valor de inexistir.

Concreto, cimento insípido,
sem cheiro, disforme, frio;
de nada vale existires
se sepultas nas paredes
todo o alento, todo o apelo
que a vida, teimosa, esboça
pela garganta exaurida.

Amanhece mais um dia,
e o sangue move de novo
bilhões de corpos que acordam
sacudindo o pó da noite.

Pelo mundo, gente que se agarra a mitos,
fabrica esperanças e se ludibria,
enganando o tédio para não morrer.

Nada diferente, só concreto e ferro.
Nada de esperança, só matéria e gelo
é o que prolifera nesta terra árida.

Agarra teus sonhos se tu fores sábio
e nunca permitas que eles vão embora.
Se quiseres calma, vive de ilusões;
nutre teus engodos e não penses nunca,
pois, pensar um pouco é querer ser Nada.

Concreto deprimente, espesso, glacial,
que a maldição do sol, dos ventos e das chuvas
recaia sobre ti, rebento mal gerado.
Eu quero gargalhar no dia do teu fim,
dançar sobre teu pó, cuspir em teus escombros,
árvore intrusa, impura e de semente estéril.
 
São Paulo, 1967

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